Por Felipe José
"O que fazer para manter unido o grupo diante das incertezas que atormentam a cada bifurcação do caminho? Por onde ir, que rumo tomar? Como manter o grupo unido diante das ameaças de seres misteriosos que irrompem na escuridão da noite deserta e instalam a discórdia? Como manter o grupo unido diante do desejo que salta do seu repouso no coração de cada um?"
Esse é um trecho da apresentação da peça "A caravana da ilusão", escrita pelo dramaturgo brasileiro Alcione Araújo. Na peça, uma trupe mambembe se vê em meio a uma série de incertezas após um momento doloroso: a morte de seu líder.

Para a família Cabral, natural de Campina Grande (PB), momento parecido veio em 2016 com a morte do patriarca Manoel Cabral da Silva ou, como era mais conhecido, Major Palito. Com 84 anos na época, Major Palito era, então, o palhaço itinerante mais antigo em atividade na Paraíba. A notícia de sua morte por complicações de um câncer de pele vinha apenas um ano depois de outro baque: a morte de Lúcia Cabral (Lucinha), a mais velha das três filhas de Manoel.
"Vovô era a pessoa, a figura. Major Palito a figura. Lúcia Cabral sempre foi a cabeça, o pilar. Vovô começou a trabalhar antes de mainha pensar em trabalhar. Mas quem profissionalizou Major Palito foi Lúcia Cabral. E foi ela quem trouxe isso pra família, pra gente."
Quem conta essa história é Thaisa Cabral, neta de Palito e filha de Lucinha. Segundo ela, a mãe foi a criadora da Companhia de Teatro Mambembe da qual as filhas, netos e até bisnetos de Palito faziam parte como palhaços. Com a morte do avô e da mãe, Thaisa e sua família se viram diante de uma situação parecida com a da trupe de "A caravana da ilusão", mas parar nunca foi uma opção.
Apesar do grupo ter diminuído e em parte se dispersado por questões da vida, ele segue vivo e atuante graças aos esforços de Thaisa, da prima Joane Cabral, e da tia Lourdes Cabral, mãe de Joane e filha do meio de Palito. Elas atuam se apresentando em escolas, empresas, aniversários, chás de bebê e demais eventos. Para marcar um espetáculo basta entrar em contato direto com elas ou através do perfil da Companhia na rede social Instagram.
Ser palhaço em Campina Grande
"A piscina de bola ganhou de nós", é o que afirma Lourdes Cabral. Segundo ela, nunca foi possível sobreviver de palhaçaria em Campina Grande. Apesar de garantir um dinheiro extra, todos os palhaços e palhaças da família tinham (e têm) outros empregos para sobreviver, até Palito, que era pedreiro.
Nos últimos anos, no entanto, a situação tem sido ainda mais complicada. As animações de festas de crianças, que costumavam ser o trabalho mais comum, agora são escassas. Além das piscinas de bolinhas e da cama elástica, o palhaço têm perdido lugar para outros tipos de animadores, como aqueles fantasiados com personagens de animações estadunidenses como a Frozen, os Minions ou de super-heróis como o Homem-Aranha ou o Batman.
A parceria com órgãos públicos e os incentivos fiscais também não têm sido o mesmo que no passado. Durante a pandemia de COVID-19, a Companhia até chegou a ser contemplada pela Lei Aldir Blanc mas faltam projetos como os promovidos pelo Fundo de Incentivo à Cultura Augusto dos Anjos (FIC) que levou a família para viajar pela Paraíba com apresentações no início dos anos 2000.
Outro projeto relatado por Lourdes data da segunda metade dos anos 90. Segundo ela, a família era convidada para trabalhar no São João. Eles animavam o público do Parque do Povo com brincadeiras ou apresentações como o "Casamento Matuto" em que Major Palito era o padre.
"Até hoje, faz tempo, que o povo pergunta. Conhecidos meus: - Vocês não vão não? Vocês não vão porque o Major morreu? - Não, é porque quem está a frente da prefeitura não chama mais", afirma Lourdes.
Memórias compartilhadas
"A gente faz porque realmente gosta. Os que não gostam, não participam. Graças a Deus são poucos, né? Mas a maioria é por sangue, é por dom mesmo". É dessa forma que Joane Cabral explica tantos palhaços na família. Ela revela ainda que, na infância, nem sempre gostava de participar das atividades da família porque deixava de brincar para ensaiar. No entanto, tomou gosto e segue até hoje como a palhaça Pimentinha.

Para Pitombinha (Thaisa) o momento decisivo costuma ser a adolescência. É nessa idade que geralmente os mais novos se afastam da palhaçaria. Seja por vergonha dos amigos e dos "namoradinhos e namoradinhas", seja por outros interesses. Os que conseguem passar dessa fase são os que realmente tomam gosto e seguem sendo palhaços a vida toda.
E uma vida na palhaçaria significa uma vida de memórias bem-humoradas em família. Peteca (Lourdes), Joane e Thaisa relembram aos risos da diversão que eram os ensaios em família. Lembram ainda das peças que Sei Lá (Tarso, filho de Lourdes) pregava com o resto da família, sobretudo com seu irmão Na Tapa (Felipe). Ou o dia em que Perereca (Lucinha) quase pôs fogo na própria casa numa apresentação do espetáculo "O marido que deixou a mulher por causa de uma jumenta".
Quem compartilha outra história marcante em família é Leda Cabral, a palhaça Pororoca. Leda é a mais nova das três irmãs e viveu a maior parte da sua vida no Ceará, aproximadamente 25 anos no município Russas, onde mora até hoje. A distância da família não impediu que ela se interessasse também pela palhaçaria e participasse de eventos da Companhia quando estivesse em Campina Grande. Um momento marcante em sua memória é de logo após a morte da irmã Lucinha.
Ela conta que estava na cidade desde antes da irmã falecer e continuou por algumas semanas depois, para suportar a dor com a ajuda da família. Vinte dias após a morte da irmã elas tinham uma apresentação marcada em um chá de bebê. Um evento negociado muito tempo antes do falecimento de Lúcia, mas com a perda surgiu a dúvida se deveriam ou não fazer. Decidiram por fazer.
"Para mim, aquilo ali foi um momento muito, muito, muito marcante! Porque foi como um tributo a ela. E, da minha parte, porque eu participei. Eu raramente participo dos eventos lá [em Campina Grande] porque eu moro longe. [...] E nesse dia eu pude fazer isso. Eu pude realizar junto com elas, com as meninas, essa homenagem pra ela", complementa Leda.
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Texto: Felipe José
Entrevista e Produção: Felipe José
Editor de Texto: Eduardo Gomes
Editora-Chefe: Ada Guedes
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