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Caminhos cruzados: o Labirinto da Associação de Artesãs Rurais de Serra Rajada

por Julia Nunes


Das mãos marcadas pelo tempo às que ainda estão aprendendo a arte de manusear a vida. É assim que o “Labirinto” permanece vivo em meio a paisagem rural de Serra Rajada, no interior da Paraíba. A técnica começa a partir do desenho em um tecido liso e em seguida, se discorre por meio de seis etapas: desfiar, encher, torcer, perfilar, lavar e engomar.


Daí o nome “Labirinto”, já que depende de muitos processos para construir uma peça que, quando finalizada, não dá pra saber em que ponto os processos começaram. O produto começa como se fosse um bordado, mas o resultado final remete à renda, outro tipo de método manufatureiro.

Na foto tem-se uma mulher branca, idosa, usando óculos e vestindo uma roupa azul com estampa de folhas verdes e brancas. Ela é Dona Terezinha, e está segurando em suas mãos uma peça de labirinto na cor laranja. A peça tem um formato retangular e nela está desenhada flores como em um bordado
Terezinha Matias Cristovam apresenta uma das peças da Associação na loja conceito do Museu do Artesanato Paraibano - Janete Costa - Foto: Felipe José

A prática acontece, principalmente, entre as mãos de mulheres da região, por meio da Associação de Artesãs Rurais de Serra Rajada. Fundada em 1989, pela presidente e mestra Tereza Matias Cristovam, o grupo busca, através da arte, novas fontes de renda e desenvolvimento da comunidade local. Apesar da sede em Riachão do Bacamarte (PB), o trabalho das labirinteiras não se limita ao município, pelo contrário, percorre diversos caminhos, tanto dentro quanto fora do país.


Labirinto: tradição e cultura

O bordado tradicional chegou ao Brasil durante o período colonial e desde então passou a incorporar representações da cultura brasileira, acomodando marcas e costumes locais. No interior da Paraíba, a labirinteira Tereza Matias Cristovam ou Dona Terezinha, como é chamada, aprendeu os processos do labirinto em família.

"Eu aprendi com mãe. Tinha oito anos e já estava fazendo alguma coisa. [...] Minhas irmãs também. Somos seis irmãs. E foi muito fácil, ia passando de geração. Minha mãe ensinou a gente, eu já ensinei minhas filhas e assim por diante. E do jeito que era eu, eram outras pessoas da comunidade que ensinavam para as filhas, pras netas", conta Dona Terezinha.

A mestra foi uma das principais figuras a fomentar e defender a prática, não apenas enquanto forma de renda, mas como patrimônio regional paraibano. Sob essa perspectiva, Dona Terezinha propagou seus conhecimentos às mulheres da região com o apoio de instituições públicas.


A labirinteira Marileide Silva, uma das aprendizes dessa arte, explica: "Eu ainda aprendi com as aulas do SEBRAE que Terezinha ensinou. E minha mãe também, nas partes que ela fazia. Quando eu não estava na aula da Associação... Em casa, minha mãe explicava também. Eu era jovem. Tinha o quê? Entre 10 e 11 anos quando aprendi".


De agricultora à artesã

A linha e a agulha são algumas das ferramentas mais antigas da humanidade e essenciais em termos mercadológicos, principalmente, no âmbito da modelagem. Para a Associação, formada apenas por mulheres, essa importância se reflete pela geração de uma renda extra.

Peça de labirinto com desenho de flores em tecido de tom azul
Peça de labirinto com desenho de flores em tecido de tom azul - Foto: Felipe José

A renda, por sua vez, garante uma independência financeira e uma forma de ir além da agricultura de subsistência, principal atividade econômica em Serra Rajada. A própria Terezinha conta como foi aprendendo a técnica enquanto trabalhava na roça.


"Eu também fui agricultora, hoje não sou mais, mas já fui. Sempre mãe incentivou a gente a trabalhar. Muitas das minhas irmãs trabalhavam de dia no roçado e de noite fazendo os trabalhos [labirintos]. E no sábado, levava para uma feira que tinha em Serra Redonda, lá elas trocavam, vendiam aquele trabalho [...] para fazer a feira pra levar pra dentro de casa."


Ex-agricultoras ou donas de casa, as artesãs passaram a empreender e com a venda dos bordados conseguem gerar capital entre si e para as famílias da comunidade. Estas mulheres, antes condicionadas ao artesanato como “passatempo”, obtém perspectivas de crescimento por meio dele, inclusive a de viajar o mundo.


Com seus trabalhos sendo vendidos para todo o Brasil e para o exterior, as próprias labirinteiras têm a oportunidade de viajar para outros estados e até países. Como líder da Associação, Terezinha é a que tem mais viagens pra contar.


"Eu já fui em muitas feiras, de Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Maceió, muito canto. Depois, em 2009, eu fui representar o artesanato da Paraíba numa feira de moda em Paris. Foi uma experiência muito grande que a gente teve, porque uma pessoa — eu não sou analfabeta, mas eu não terminei nem a quarta série — mostrar o nosso trabalho, representar a Paraíba num lugar desse, né?", relata.


Bem comum

Localizado em Riachão do Bacamarte (PB), o distrito rural de Serra Rajada abrange uma área de 38 km², segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Antes do labirinto as principais atividades econômicas da comunidade eram agricultura de subsistência e a criação de animais.


Além de ajudar financeiramente e possibilitar novas experiências para as mulheres que compõem a Associação, o labirinto surgiu como uma nova atividade econômica que contribui para toda a comunidade. Dona Terezinha detalha uma dessas contribuições:


"A gente fez o projeto, encaminhou para o COOPERAR e foi beneficiado tanto com o abastecimento da água pelo poço artesiano, quanto com 43 cisternas para o município, para a comunidade de Serra Rajada. [...] Uma coisa boa porque a água contribuiu muito pra lavagem das peças. A gente lavava em água de barreiro. Tinha vez que não dava pra lavar porque já estava no fim e essa água do poço artesiano, de cisterna, é uma água de qualidade."


A instalação dos poços e cisternas na região foi uma iniciativa da Associação apoiada pelo projeto COOPERAR do Governo da Paraíba, que promove o desenvolvimento sustentável de áreas rurais. Atualmente, a Associação recebe o apoio do Programa do Artesanato Paraibano (PAP) para compra de materiais e para a venda das peças em espaços como a loja conceito do Museu do Artesanato Paraibano Janete Costa, no Partage Shopping em Campina Grande.


Dona Terezinha detalha que o apoio financeiro, através de premiações, também mediou a construção da sede da Associação em 2008 para o armazenamento de materiais:

"Com essa Associação a gente teve apoio do COOPERAR. Já conseguimos um poço artesiano com abastecimento d’água para 40 famílias, na época. E depois veio o prêmio Humberto Maracanã [na época] do ministro Gilberto Gil.", relata a labirinteira.

Atualmente, a Associação é composta por aproximadamente 20 mulheres. Existem mais labirinteiras em Serra Rajada, mas, por desempenharem outras atividades, acabam não se associando. No entanto, isso não impede que recebam o apoio da mesma. O trabalho da Associação é em prol de todas as labirinteiras da comunidade e segue com a missão de propagar o desempenho artesanal na região como um todo.


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Texto: Felipe José e Julia Nunes

Entrevista e Produção: Felipe José

Editor de Texto: Eduardo Gomes

Diretora de Redação: Ada Guedes

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