por Julia Nunes
Das mãos marcadas pelo tempo às que ainda estão aprendendo a arte de manusear a vida. É assim que o “Labirinto” permanece vivo em meio a paisagem rural de Serra Rajada, no interior da Paraíba. A técnica começa a partir do desenho em um tecido liso e em seguida, se discorre por meio de seis etapas: desfiar, encher, torcer, perfilar, lavar e engomar.
Daí o nome “Labirinto”, já que depende de muitos processos para construir uma peça que, quando finalizada, não dá pra saber em que ponto os processos começaram. O produto começa como se fosse um bordado, mas o resultado final remete à renda, outro tipo de método manufatureiro.

A prática acontece, principalmente, entre as mãos de mulheres da região, por meio da Associação de Artesãs Rurais de Serra Rajada. Fundada em 1989, pela presidente e mestra Tereza Matias Cristovam, o grupo busca, através da arte, novas fontes de renda e desenvolvimento da comunidade local. Apesar da sede em Riachão do Bacamarte (PB), o trabalho das labirinteiras não se limita ao município, pelo contrário, percorre diversos caminhos, tanto dentro quanto fora do país.
Labirinto: tradição e cultura
O bordado tradicional chegou ao Brasil durante o período colonial e desde então passou a incorporar representações da cultura brasileira, acomodando marcas e costumes locais. No interior da Paraíba, a labirinteira Tereza Matias Cristovam ou Dona Terezinha, como é chamada, aprendeu os processos do labirinto em família.
"Eu aprendi com mãe. Tinha oito anos e já estava fazendo alguma coisa. [...] Minhas irmãs também. Somos seis irmãs. E foi muito fácil, ia passando de geração. Minha mãe ensinou a gente, eu já ensinei minhas filhas e assim por diante. E do jeito que era eu, eram outras pessoas da comunidade que ensinavam para as filhas, pras netas", conta Dona Terezinha.
A mestra foi uma das principais figuras a fomentar e defender a prática, não apenas enquanto forma de renda, mas como patrimônio regional paraibano. Sob essa perspectiva, Dona Terezinha propagou seus conhecimentos às mulheres da região com o apoio de instituições públicas.
A labirinteira Marileide Silva, uma das aprendizes dessa arte, explica: "Eu ainda aprendi com as aulas do SEBRAE que Terezinha ensinou. E minha mãe também, nas partes que ela fazia. Quando eu não estava na aula da Associação... Em casa, minha mãe explicava também. Eu era jovem. Tinha o quê? Entre 10 e 11 anos quando aprendi".
De agricultora à artesã
A linha e a agulha são algumas das ferramentas mais antigas da humanidade e essenciais em termos mercadológicos, principalmente, no âmbito da modelagem. Para a Associação, formada apenas por mulheres, essa importância se reflete pela geração de uma renda extra.

A renda, por sua vez, garante uma independência financeira e uma forma de ir além da agricultura de subsistência, principal atividade econômica em Serra Rajada. A própria Terezinha conta como foi aprendendo a técnica enquanto trabalhava na roça.
"Eu também fui agricultora, hoje não sou mais, mas já fui. Sempre mãe incentivou a gente a trabalhar. Muitas das minhas irmãs trabalhavam de dia no roçado e de noite fazendo os trabalhos [labirintos]. E no sábado, levava para uma feira que tinha em Serra Redonda, lá elas trocavam, vendiam aquele trabalho [...] para fazer a feira pra levar pra dentro de casa."
Ex-agricultoras ou donas de casa, as artesãs passaram a empreender e com a venda dos bordados conseguem gerar capital entre si e para as famílias da comunidade. Estas mulheres, antes condicionadas ao artesanato como “passatempo”, obtém perspectivas de crescimento por meio dele, inclusive a de viajar o mundo.
Com seus trabalhos sendo vendidos para todo o Brasil e para o exterior, as próprias labirinteiras têm a oportunidade de viajar para outros estados e até países. Como líder da Associação, Terezinha é a que tem mais viagens pra contar.
"Eu já fui em muitas feiras, de Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Maceió, muito canto. Depois, em 2009, eu fui representar o artesanato da Paraíba numa feira de moda em Paris. Foi uma experiência muito grande que a gente teve, porque uma pessoa — eu não sou analfabeta, mas eu não terminei nem a quarta série — mostrar o nosso trabalho, representar a Paraíba num lugar desse, né?", relata.
Bem comum
Localizado em Riachão do Bacamarte (PB), o distrito rural de Serra Rajada abrange uma área de 38 km², segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Antes do labirinto as principais atividades econômicas da comunidade eram agricultura de subsistência e a criação de animais.
Além de ajudar financeiramente e possibilitar novas experiências para as mulheres que compõem a Associação, o labirinto surgiu como uma nova atividade econômica que contribui para toda a comunidade. Dona Terezinha detalha uma dessas contribuições:
"A gente fez o projeto, encaminhou para o COOPERAR e foi beneficiado tanto com o abastecimento da água pelo poço artesiano, quanto com 43 cisternas para o município, para a comunidade de Serra Rajada. [...] Uma coisa boa porque a água contribuiu muito pra lavagem das peças. A gente lavava em água de barreiro. Tinha vez que não dava pra lavar porque já estava no fim e essa água do poço artesiano, de cisterna, é uma água de qualidade."
A instalação dos poços e cisternas na região foi uma iniciativa da Associação apoiada pelo projeto COOPERAR do Governo da Paraíba, que promove o desenvolvimento sustentável de áreas rurais. Atualmente, a Associação recebe o apoio do Programa do Artesanato Paraibano (PAP) para compra de materiais e para a venda das peças em espaços como a loja conceito do Museu do Artesanato Paraibano Janete Costa, no Partage Shopping em Campina Grande.
Dona Terezinha detalha que o apoio financeiro, através de premiações, também mediou a construção da sede da Associação em 2008 para o armazenamento de materiais:
"Com essa Associação a gente teve apoio do COOPERAR. Já conseguimos um poço artesiano com abastecimento d’água para 40 famílias, na época. E depois veio o prêmio Humberto Maracanã [na época] do ministro Gilberto Gil.", relata a labirinteira.
Atualmente, a Associação é composta por aproximadamente 20 mulheres. Existem mais labirinteiras em Serra Rajada, mas, por desempenharem outras atividades, acabam não se associando. No entanto, isso não impede que recebam o apoio da mesma. O trabalho da Associação é em prol de todas as labirinteiras da comunidade e segue com a missão de propagar o desempenho artesanal na região como um todo.
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Texto: Felipe José e Julia Nunes
Entrevista e Produção: Felipe José
Editor de Texto: Eduardo Gomes
Diretora de Redação: Ada Guedes
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