por Tanmara Gomes
O ano era 2021, cenário no qual o mundo ainda vivia uma pandemia e com ela, suas inseguranças. A ideia do coletivo Laboratório Urbano surgiu inicialmente de oficinas que, nesse contexto, não deram certo, seja pela quarentena devido à COVID-19 ou pela alta taxa de desemprego que atingia fortemente o bolso dos paraibanos e brasileiros em geral.
O Laboratório Urbano - Coletivo artístico de investigação dramatúrgica do corpo e das danças urbanas, nasce então da urgência de quatro artistas e amigos, Cas Silva, Hianne Alves, Natanael Alcântara e Jardel Melo, em terem uma fonte de sustento, atrelada ao desejo de produzir, pesquisar e espalhar cultura no espaço urbano de Campina Grande.
Coletivo Laboratório Urbano - Fotos: Laboratório Urbano
Os artistas possuem as danças urbanas (uma mescla de diversas técnicas como locking, wacking, breaking, popping, hip hop, freestyle entre outras, trazidas dos Estados Unidos para o Brasil por volta dos anos 80) como fonte de pesquisa há mais de 10 anos, tendo grande influência também nas danças populares, contemporâneas e dramatúrgicas.
Mais do que um grupo de dança, os artistas forjam um conjunto de experiências, ideias e movimentos individuais que juntos formam o coletivo. São quatro corpos e quatro formas únicas de enxergar o espaço e transportar os elementos do cotidiano até a dança.
Questionados pelo Campina Cultural sobre como as coreografias eram criadas, o dançarino e beatmaker Natanael Alcântara responde que tudo acontece de forma orgânica, natural e intuitiva, a partir das vivências de cada um.
"A gente vive nessa cidade a maior parte do tempo, e dificilmente acabamos saindo dela. E isso faz com que coloquemos nos nossos trabalhos coisas que a gente vê e vivências do cotidiano", ressalta Natanael.
Espetáculo e luta
O primeiro espetáculo montado pelo Laboratório Urbano foi o "Made in Paraíba", que mescla danças urbanas com danças e músicas regionais. Nele, é abordado o outro lado do Nordeste, o que não está tanto em evidência. É fato que a seca, a pobreza e as dificuldades não deixaram de existir, mas o povo que resiste a tudo isso com força, alegria e riqueza cultural segue com sua história e características de um "povo feliz". A expressão que está na sinopse no espetáculo sintetiza o destaque deste trabalho trazido pelo grupo artístico.
"Vamos fazer algo voltado para o Nordeste, porque afinal, somos daqui, nossos corpos se movem também com o que acontece aqui", diz Hianne, produtora cultural e dançarina.
É importante frisar que a atração foi toda desenvolvida de forma remota, durante a pandemia, e aperfeiçoada após revogação do decreto de distanciamento social, quando foi possível retornar com os encontros presenciais. As gravações aconteceram na Antiga Estação Velha, ponto da cidade com grande significado histórico, mas que, assim como outros marcos, está de certa forma esquecido, como bem destaca Hianne, que faz questão de ressaltar a importância de resgatar esses locais através de intervenções artísticas.
Gravação do Made in Paraíba, na Estação Velha, Campina Grande - Foto: arquivo pessoal
O "Made in Paraíba" foi apresentado virtualmente duas vezes: na X Mostra de Teatro e Dança do Cariri Paraibano Raniel Quintans Monteiro e no edital Corrinha Mendes (Socorro Mendes), pela II fase da Lei Aldir Blanc (Lei n° 14.017/2020). Já em formato presencial, o espetáculo aconteceu este ano, na 47ª Edição do Festival de Inverno de Campina Grande.
O coletivo deixa claro a importância de terem ocupado o palco do festival. Segundo o dançarino e coreógrafo Jardel Melo, "o encaixe da câmera é diferente do encaixe do palco", e sem dúvidas as sensações causadas no teatro também foram.
O público se encanta com a diversidade dos movimentos presentes na dança urbana. Se identifica com a história contada através das músicas nordestinas, entrando numa espécie de frenesi ao ouvirem o xaxado tocar durante a apresentação. "A plateia inteira vibrou", relembra Jardel, que foi o responsável por implementar as danças populares no espetáculo, juntamente com Cecília Marum, atriz e assistente de produção do coletivo.
"Eu sempre falo pra galera que eu me sinto bem no Laboratório, porque é onde eu posso explorar meu espaço de dançarino criativo", relata o coreógrafo.
Os integrantes também levantaram questões como a desvalorização de artistas e grupos locais por parte de eventos que acontecem na cidade. Para eles, tal situação acaba dificultando o trabalho do coletivo e de outros profissionais, seja através da baixa e desigual remuneração, por optarem por outros tipos de danças mais "bem aceitas" historicamente, e ainda na priorização de artistas de fora. Tais ações resultam em poucas ou nenhuma oportunidade para os produtores culturais da região.
Registros da entrevista - Fotos: Vitória Felix
Não se trata de tirar o mérito dos artistas de outras regiões, como enfatizou Hianne: "é ótimo vir artistas de fora, mas quando a gente coloca na balança, ela não fica equilibrada". Em torno dessa problematização, fica claro para os entrevistados o quanto é necessário uma cultura que integre e permita mais ainda a evidência dos nossos artistas enquanto profissionais, e não de uma que os coloque em destaque no palco da desvalorização.
Oficinas, labs e colaboração
O Laboratório Urbano oferta oficinas, com parte das vagas destinadas para os públicos LGBTQIAP+, negros e indígenas, além das chamadas "Labs", geralmente no 1° sábado de cada mês, para pessoas que possuem experiência ou não em dança, como forma de democratizar e tornar esse espaço mais acessível.
"Tanto eu quanto meus companheiros acreditamos que a dança é de todos e para todos que querem acessá-la. Pensamos sempre em como tornar nossas Labs mais acessíveis, com o intuito de transmitir conhecimento sobre consciência corporal, consciência do movimento e danças urbanas, para as pessoas da cidade. Até agora de forma gratuita", destaca o coreógrafo e dançarino Cas Silva.
Cas também menciona a necessidade do apoio do público para o fortalecimento do grupo, seja pela divulgação ou contribuição financeira, e isso pode ser feito por meio das redes sociais, pois as horas de estudos e ensaios oferecem uma experiência satisfatória a todos que os acompanham. Combater os estigmas que rodeiam os praticantes de danças urbanas, muitas vezes vistos como "marginais" e "desocupados" também é uma prática constante desses artistas.
O Laboratório Urbano vem deixando claro a seriedade de seu trabalho, bem como o objetivo em ocupar todos os espaços possíveis em Campina Grande através da intervenção urbana mediante a dança e com a missão de proporcionar à população uma nova percepção e experiência sobre a realidade desse movimento.
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Texto: Tanmara Gomes
Entrevista e Produção: Tanmara Gomes e Felipe José
Chefe de Reportagem: Eduardo Gomes
Editor-Chefe: Rafael Melo
Diretora de Redação: Ada Guedes
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