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"A arte transforma", diz Moema Vilar, voz feminina no setor cultural de poucos investimentos


Com 43 anos e formada em Direito, a campinense Moema Vilar é produtora cultural e está à frente da gestão do Cineteatro São José desde de março de 2020. A produtora tem um olhar sobre a arte como transformadora de realidades e mesmo diante de poucos investimentos, busca por meio da cultura a mitigação de algumas mazelas sociais dentro de comunidades e escolas.


Por outro lado, a ocupação de um cargo de chefia por uma mulher evidencia a lenta construção de uma sociedade com mais equidade de gênero no setor público. Moema faz parte de apenas 38% das mulheres que ocupam um cargo de chefia no Brasil, segundo pesquisa realizada pela Grant Thornton neste ano de 2022. Os impasses para produzir cultura no país são muitos, desde a falta de investimentos até a viabilidade da arte alcançar a população mais carente. Situação que foi gravemente maximizada pela pandemia da Covid-19.


Diante de um cenário desigual, a população ficou ainda mais distante da cultura, assim como seus idealizadores, que perderam sua renda. Leis como Aldir Blanc e Paulo Gustavo são um alento para uma classe com poucos recursos e também um meio para se debater sobre políticas eficazes para o setor cultural.


Produtora cultural em Campina Grande, Moema Vilar.
Moema Vilar é formada em Direito e atua como Produtora Cultural. Foto: Acervo pessoal

Implementada no decorrer da pandemia, a Lei Aldir Blanc possibilitou subsídios para a produção e manutenção de trabalhadores culturais, sejam artistas ou produtores. Porém, a iniciativa do setor público não supriu a demanda e muitos ficaram de fora da contemplação do auxílio.


Com a liberação de 3,8 bilhões de reais através do Fundo Nacional de Cultura (FNC), o projeto de lei Paulo Gustavo fornecerá a estados e munícipios o direcionamento de valores para o fomento dos produtos culturais. A maior parte da verba deverá ser destinada a produção audiovisual.


Nesta entrevista, Moema fala sobre os impasses e conquistas de sua vivência no setor cultural. Confira os principais trechos:



Como foi construída a sua relação com a cultura e a arte?

Eu costumo dizer que nasci para ser produtora cultural, porque quando era criança, era aquela que juntava toda a turma da rua e a primarada para brincar de fazer teatrinho. A gente dramatizava e encenava as histórias que meu avô contava, convidava toda a família e cobrava ingresso por isso. No Direito, me apaixonei pelo Tribunal do Júri, que, para mim, se assemelha um pouco a um teatro, toda a questão da defesa, acusação, réplica e tréplica.

Fiz o curso do teatro municipal, atuei como personagem principal. Depois disso, fiz o curso de extensão da UEPB voltado para o audiovisual, com André da Costa Pinto. Foi com ele que aprendi todas as etapas da produção audiovisual. Depois do grupo de teatro, eu produzi o show do Teatro Mágico e comecei a trabalhar com produção e gerenciar alguns nomes da música autoral daqui da Paraíba, de Campina Grande. Também conheci o audiovisual de maneira profissional e foi uma experiência incrível. Hoje em dia eu não trabalho só com o audiovisual, eu tenho que buscar todas as áreas da arte.


Moema Vilar coordenadora do Cineteatro São José em Campina Grande.
Moema está à frente da direção do Cineteatro São José. Foto: Acervo pessoal

O que é mais fascinante na arte?

É muito fascinante a maneira que a arte pode transformar. Já ouvi muitos relatos de adolescentes falando que a arte mudou a vida deles. Se você for ali no Pedregal, encontra diversas histórias de pessoas que estavam presas e começaram a fazer poesias e tem um talento incrível para isso. A arte realmente transforma, transformou minha vida e transforma a de muitos.


E como a figura do produtor atua junto a esse fator transformador?

Eu vejo o produtor como uma peça chave, tem que ter a habilidade de falar todas as linguagens, além da linguagem do artista. Temos que entender e nos comunicar bem com os técnicos, com quem está ali para auxiliar na limpeza, com os seguranças, com o poder público, políticos, empresários, colaboradores, enfim. É preciso olhar o cenário a sua volta e cuidar tanto da produção pontual quanto de outras questões por fora do projeto. Por exemplo, se eu sei que há uma comunidade que enfrenta um índice alto de violência, eu preciso pensar: o que é que a gente pode fazer para essa comunidade através da arte? A gente pode fazer uma oficina, planejar o melhor lugar, buscar alguém adequado para falar com aquela galera, então tudo tem que ser muito bem pensado.


Mudar e tocar todas essas vidas através da arte era um dos seus objetivos profissionais?

Arte não é só uma montagem de uma peça de teatro, cobrando ingressos para quem puder pagar conseguir assistir e se entreter. A arte pode ser feita numa comunidade, numa escola pobre da cidade. Foi até um choque para mim ver o dilema de toda essa questão social. Eu tinha um carrinho, era um Gol daquele quadradinho, que eu queria inscrever para o programa “Lata Velha” da Globo [risos]. Que sonho, meu Deus! Queria que transformasse o golzinho em um carro-palco para podermos circular e apresentar peças não só na periferia da cidade, como em toda a região rural. O sonho persiste, mas agora sonhamos maior, com um caminhão-palco. Foi com o cinema e audiovisual que eu aprendi que temos poder para contarmos nossas próprias histórias, as mais simples. Eu posso contar a história da menina que trabalha na minha casa, posso contar a história do pedreiro, entende? Todas as pessoas têm uma boa história para contar e inspirar. Podemos contar histórias de lugares também e isso tudo é muito forte. Eu sempre busquei fazer cultura para todos, fazer com que alcançasse a todos.


Quais são as principais dificuldades encontradas?

Fazer com que a arte chegue a todos, em si, não é a dificuldade. As pessoas que estão carentes de cultura, estão abertas a todos os projetos, quase não há resistência. Mas, não conseguiremos fazer isso sem que haja investimentos. Se você chega numa comunidade indígena, quilombola, num presídio com objetivo de mostrar cultura, você vai ser bem recebido. A dificuldade não está na receptividade, a dificuldade é ter um aporte financeiro. Graças a Deus, agora temos a Lei Paulo Gustavo e a Lei Aldir Blanc, que vão ser de grande ajuda nesse sentido, vão fomentar esses circuitos culturais. A FUNESC, a Fundação para qual trabalho frente ao Cineteatro São José, faz bem esse processo de interiorização da cultura, levando-a para todos os lugares. A gente precisa investir muito e ter apoio do poder público, nas esferas federais, estaduais e locais também, a gente às vezes tem uma verba que não é bem distribuída e isso dificulta a democratização das produções.


Na sua visão, qual a importância de um cargo como o seu ser ocupado por uma mulher?

Eu fui contratada exatamente por ser uma mulher. Na época, a presidente e a vice-presidente da FUNESC eram mulheres e elas disseram que queriam o olhar feminino acerca do equipamento cultural. Eu não tenho filhos, tenho 43 anos e nunca tive filhos, mas eu sinto que há em mim um lado materno que se dedica ao projeto. Me sinto mãe dos projetos, dos filmes, dos artistas. E no Cineteatro São José não é diferente, há todo esse sentimento de cuidado com as produções, para que toda pessoa que entre lá se sinta em casa, porque é a casa de todos. Trabalho com muitos homens e recebo respeito deles, todos reconhecem e respeitam meu trabalho, minha jornada e minha autoridade.


Quais os principais projetos desenvolvidos pelo Cineteatro para o incentivo da inclusão de mulheres na cena cultural? Há algum projeto em específico?

Sim. Encerramos a semana de eventos em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, que contou com oficina de produção audiovisual, encontro de mulheres repentistas, shows da DJ Luana Flores e apresentação da peça Margarida Vive e começaram as apresentações do espetáculo Maternidade Palhaçal. Essas duas últimas peças são do edital de seleção Matriz, 5ª Mostra Feminina de Artes Cênicas. Sempre convido artistas para promovermos debates e vamos tentar realizar novamente o Festival de Mulheres. Ano passado a gente fez uma modalidade virtual desse projeto junto com o Coletivo de Mulheres e cada mulher tinha a oportunidade de apresentar seu produto cultural. Estamos sempre dando essa força e incentivando.


Moema Vilar em Cineteatro São José
Moema Vilar leva consigo sempre a "Parahybanidade." Foto: Acervo pessoal

E como foi implementado o conceito de Parahybanidade nesses trabalhos?

Ah, eita! Parahybanidade surgiu de uma vontade de fazer com que a Paraíba seja valorizada e reconhecida e fazer com que os próprios paraibanos contemplem os artistas da região. A cultura está atrelada ao turismo e a economia também, então Parahybanidade é um projeto de reconhecimento da força que as pessoas da nossa terra tem. A gente fez até um projeto de um piloto com um estudante de Arte e Mídia de Areia, fomos pra lá e filmamos um grupo de teatro, um restaurante muito tradicional da cidade que já ganhou prêmios de gastronomia, a fabricação da cachaça e da rapadura… e tudo que ia trilhando o caminho da cultura. O turismo de aventura, o turismo rural, turismo cultural… tudo isso é cultura da Parahybanidade também e envolve toda essa cadeia da economia criativa.


Quais são os planos e objetivos para o Cineteatro em 2022?

Meu objetivo é abrir o edital e ocupar os palcos com diversos artistas incríveis que eu sei que estão por perto, além de receber os programas institucionais da FUNESC, que são vários, ainda bem.


Há algum trabalho que você considera uma memória afetiva?

“Maria do Caixão” que foi meu primeiro trabalho e “Testemunho” que foi impactante para minha vida. Mas todos são lindos e até hoje eu continuo sem saber escolher se eu gosto mais da música ou do cinema. Eu acho que a verdade é que eu me encontro na gestão pública, eu posso dizer isso: o produtor além de produzir e gerenciar problemas, ele viabiliza o sonho de muitas pessoas, entende? E no fim, esse sonho acaba sendo compartilhado. Mas é necessário entender o papel do produtor assim.


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Texto: Felipe Bezerra

Entrevista: Ana Luísa Rocha

Produção: Eduardo Gomes | Felipe Bezerra

Supervisão Editorial: Ada Guedes











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