por Felipe José
Nascido em Iguatu, no Ceará, Stellio Mendes é professor, jornalista e produtor cultural que mora em Campina Grande há cerca de 24 anos e atua na Educação Básica há 30. Ele é um dos idealizadores da Feira Literária de Campina Grande (FLIC), ao lado da companheira Carla Teide; da filha Iasmim Mendes; e da amiga Samelly Xavier. Também é o fundador e CEO da SM Consultoria Criativa em Educação, que orienta escolas para a aprendizagem significativa do aluno e o bem estar dos profissionais.
A primeira experiência de Stellio com a educação surge quando ele ainda era estudante de Geografia, no Ceará. Foi lá que ele teve a oportunidade de trabalhar como auxiliar de coordenação e professor no Colégio GEO. Durante os cinco anos que trabalhou na escola, entre 1991 e 1996, Stellio teve a oportunidade de ocupar novos cargos e aprender sobre gestão na prática, já que a formação em Pedagogia só viria anos depois.
A gestão se tornou uma nova paixão, e o Curso de Geografia (que já passava por interrupções devido ao trabalho) acabou ficando pelo caminho quando Stellio teve a oportunidade de se mudar para Campina, em 1999, e assumir a direção do Colégio Motiva, então recém-chegado. Na nova cidade, ele finalmente teve a oportunidade de se formar em Jornalismo (que era uma antiga paixão) e mais tarde em Pedagogia (que já fazia parte de sua vida diariamente).
Nessa entrevista, o Campina Cultural procura esmiuçar o baú de conhecimentos do Professor Stellio para discutir sobre educação, leitura e cultura e como esses elementos se articulam:
Uma das suas formações é o Jornalismo. Como isso contribui para a sua atuação como educador? Qualquer formação na área de Comunicação Social possibilita algo extremamente importante no exercício de qualquer profissão: o diálogo com as pessoas. O próprio termo “comunicação” já diz isso. Na minha área de gestão de escolas, nesse contato cotidiano com os estudantes, a necessidade da atualização, da utilização da notícia e da leitura são de extrema importância para que você mantenha um diálogo mais próximo do seu aluno. Então, eu nunca exerci o jornalismo de maneira profissional, mas sempre utilizei os diversos conhecimentos que adquiri na minha formação jornalística no exercício da minha profissão como educador.
Nos últimos anos, você recebeu honrarias pela Câmara Municipal de Campina Grande por suas contribuições para educação e também pela valorização da literatura negra e cultura afro-brasileira na cidade. O que isso representa? Acima de tudo é um orgulho. Eu sempre tive muita consciência de que o meu exercício de educador não podia ser resumido a minha ação dentro da escola privada. Eu nunca acreditei que a educação fosse apenas uma moeda de troca de salário. É tanto que, durante toda a minha atuação em escola privada, sempre tive um diálogo com a escola pública. Eu sempre levei projetos da escola que eu desenvolvia para dentro da escola pública. Eu acredito muito na necessidade de uma valorização, cada vez maior, da escola pública brasileira. E esse tipo de honraria vem, para mim, como uma cobrança maior de uma nova responsabilidade que eu deva assumir junto a sociedade.
Que aprendizados essa experiência com o ensino privado podem ser aplicados nas escolas públicas? E, também, o que as escolas privadas podem aprender com o ensino público? O grande ensinamento que a escola privada tem a dar à escola pública brasileira, e historicamente isso tem acontecido, é no que diz respeito à qualidade, acho que o termo correto talvez seja esse. A busca por qualidade, dentro da escola privada, é uma referência muito positiva. Do contrário, o que a escola pública ensina diariamente à escola privada é a importância da humanização e principalmente da inclusão.
O processo de inclusão dentro da escola pública é muito bem feito. Porque é uma cobrança social que se faz de uma forma muito intensa dentro dela e que não acontece, no geral, na escola privada, porque esta tem uma característica historicamente mais elitista. Então, eu acho que se combinarmos esses dois fatores conseguimos ter um crescimento na qualidade educacional do país.
O que mudou na educação de Campina Grande nesses anos que você têm trabalhado aqui? O que ainda pode mudar? Da mesma forma que a educação no país, a educação em Campina Grande teve um crescimento. Campina recebeu nos últimos vinte anos modelos de escola extremamente promissores sejam estas escolas privadas ou públicas. [...] Um traço que pra mim é diferencial, agora na educação pública de Campina Grande, é a chegada do Instituto Federal da Paraíba (IFPB).
Os Institutos Federais de Educação em todo o país representaram um avanço muito forte, principalmente onde não é capital. E hoje, Campina Grande tem experimentado, por exemplo, a noção das escolas integrais. A escola integral talvez seja a grande evolução da escola pública brasileira, porque coloca a perspectiva de formação do aluno de maneira mais completa. Você amplia a formação do aluno, sai daquele momento restrito da formação cognitiva e passa a ter uma preocupação com a saúde emocional do estudante e com sua formação como cidadão.
Nos últimos anos, a pandemia representou um grande desafio para a educação. Nesse contexto, as tecnologias digitais serviram como uma solução paliativa. Você acredita que essas tecnologias ainda têm espaço no mundo "pós-pandemia"? Sempre. De 2005 até a eclosão da pandemia, a gente começa a escutar, se você rememorar, noções do tipo “a educação à distância agora vai se efetivar", "a escola remota agora vai ser uma realidade", "a inteligência artificial vai substituir o professor", "vamos ter uma sala de aula diferente". E aí, quando a pandemia chegou, a tecnologia foi uma necessidade.
Eram duas alternativas: parar - e ninguém ia fazer isso- ou buscar através dos meios tecnológicos digitais uma forma de continuar a formação do aluno. Foi quando a ficha caiu pra todo mundo. Porque, nesse momento, houve a percepção de que a tecnologia jamais vai substituir. Eu gosto muito de citar uma frase, que eu acho que ninguém deveria esquecer: “A tecnologia sempre vai ser um meio, por que o fim é a educação”. O objetivo final é educar. Então, a pandemia não nos deu outra alternativa a não ser utilizar os meios de tecnologias digitais.
Só que vimos que o aluno precisa ter a relação social para que o aprendizado aconteça. Isso já se estuda desde Piaget, de Vygotsky... Os grandes pensadores da educação já preconizavam isso. Mas, com a pandemia, pela primeira vez, tivemos a possibilidade (de uma forma muito triste e negativa) de confirmar essa realidade. É aí que eu entro muito nessa discussão sobre a educação “figital”. A ideia de que você não pode prescindir mais da educação digital. Porque a perda de aprendizado seria muito grande por parte do aluno. A perda de acesso a informação seria muito grande. Por outro lado, ficou muito provado com a pandemia, que nós também não podemos abrir mão da escola física.
A coisa que o aluno mais gosta na escola, hoje em dia, é o horário de intervalo. Recreio pra eles é a coisa mais divertida, mais gostosa que tem na escola. Porque eles precisam do contato físico. E está provado que o aprendizado por pares, ou aprendizado por time, potencializa muito mais o aprendizado do aluno. É isso que que chamamos de “figital”, o diálogo entre o espaço físico, que ele é premente, e o espaço digital que é inevitável, mediados por uma ação social. É no social que esse processo se intensifica, e foi isso que ficou muito bem percebido depois da pandemia.
A valorização da leitura e da cultura, num sentido mais amplo, são elementos muito marcantes da sua atuação como educador. Qual é a importância de articular esses elementos? Não dá pra educar alguém excluindo os elementos sociais e os elementos comunitários da formação dessa pessoa. [...] Então, não tem como você educar uma criança e promover o elemento formativo dela se não dialogar com a cultura local. E quanto mais se valoriza a cultura local, mais consistente é essa formação.
Pensa numa cidade como Campina Grande, que só se fala em forró e em festa junina em junho e, de julho até maio do ano seguinte, não se encontra um espaço que, pelo menos, resgate isso. Imagina se, dentro da escola, você intensifica esse debate sobre a importância da economia junina? Sobre a cultura junina, do forró, dos elementos culturais mais diversos, dos cordéis... Isso despertaria na criança um interesse maior no aprendizado, porque ela ia estar aprendendo sobre o que efetivamente é do seu cotidiano.
É por isso que a FLIC acontece de forma pulverizada ao invés de concentrar tudo num único momento? Nós temos uma noção de que a FLIC não pode se restringir a uma culminância lá em novembro. Aquele momento é de extrema importância pelo diálogo que se promove, mas ele se torna muito restrito porque o acesso das pessoas à leitura no Brasil é um acesso ainda muito difícil e resistente. E aí o que acontece é que, efetivamente, na realização da FLIC em novembro, se tem um grupo muito pequeno de pessoas que terminam participando.
Vimos a necessidade de que, mais importante do que trazer as pessoas a FLIC, era levar a FLIC até as comunidades, até a sociedade. Por isso, o nosso propósito desde o início foi promover ações que pudessem levar a FLIC principalmente para regiões de maior vulnerabilidade socioeconômica. A ideia de dialogar com a escola pública é uma coisa que fazemos muito forte. O Leitura Viva é o nosso maior projeto. No ano passado, ele atingiu novecentas e sete crianças em cerca de trinta escolas contempladas. Isso democratiza o acesso a leitura que é o nosso propósito maior.
Desde o início, vimos a necessidade de fazer com que a feira promovesse eventos ao longo do ano, que beneficiasse essas comunidades, essas pessoas, nos formatos mais variados, pra chegar inclusive nas diversas faixas etárias. Temos o Leitura Viva que beneficia desde a criança até o adulto. Tem o Encontro de Cordelistas que é mais para os adultos. O Cine ENEM, que é feito pra o jovem que vai fazer o Enem, naquela faixa etária de 17 a 20 anos de idade. Nós procuramos diversificar pra que o projeto atinja e consiga fomentar a leitura para um público mais variado.
Já têm algum plano agora pra 2023? O que podemos esperar para este ano? Pode esperar muita coisa boa! No começo do ano, anunciamos oficialmente a chegada de dois novos líderes, a Hilmaria Xavier e o Audemar Ribeiro. São dois entusiastas , que chegam pra agregar. Na verdade, eles sempre estiveram com a FLIC, desde o primeiro momento, mas agora estão conosco na gestão. A FLIC tá virando uma ONG, e nós definimos, finalmente, que vamos configurar a FLIC como uma instituição de terceiro setor, pra que possamos promovê-la de uma forma mais democrática e mais inserida no contexto da sociedade. As expectativa pra feira de 2023 são as melhores possíveis!
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Texto: Felipe José
Entrevista e Produção: Felipe José
Editor de Especializado: Eduardo Gomes
Editor-Chefe: Rafael Melo
Diretora de Redação: Ada Guedes
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