por Felipe José
O hardcore é um estilo musical e fenômeno cultural que surgiu entre grupos de skatistas dos EUA e da classe trabalhadora da Inglaterra em meados dos anos 1970. É um estilo que nasce em resposta à apropriação do punk pela indústria cultural e ao surgimento do new wave. Por isso, ele adota uma postura anticomercial com canções curtas e de tempo acelerado, performances agressivas, vocais estridentes e letras carregadas de protestos políticos e sociais, revolta, angústia e descontentamentos.
Desde 2011, um grupo de amigos, também unidos pelo skate, traz o som provocante do hardcore aos palcos e espaços públicos de Campina Grande. Juntos, Helton Pereira, nos gritos; Marcos Kovot, no baixo; Lucas Torres, na guitarra; e Rafael Lima, na bateria, formam a sexta (e atual) formação da Banda T.O.S.I. – Todes Obrigades no Sistema Imundo, que no final de 2021 lançou o documentário T.O.S.I. - SESSION - DOC - 10 ANOS em celebração aos 10 anos de atividade.
Em 2013, a banda lançou seu primeiro disco Todos Obrigados no Sistema Imundo. Já em 2017, foi a vez de lançar o segundo trabalho, o split (disco compartilhado) Imperial War feito em parceria com a banda Brain Explode. O terceiro trabalho viria apenas em 2019, com o disco O Silêncio que Não Paga. Entre 2020 e 2021, participou ainda de quatro coletâneas de punk rock nordestino e antifascista. Nesta entrevista, a banda conta mais sobre o seu trabalho e discute a importância de se posicionar politicamente e de abordar questões sociais em suas músicas. Veja os principais trechos:
A origem do hardcore está muito próxima da prática do skate. Da mesma forma, a origem de vocês como banda tem muito a ver com o fato de vocês serem skatistas. De onde vem essa conexão entre o skate e o hardcore?
Banda T.O.S.I. (Lucas): Da atitude, mesmo! Tanto do skate, quanto do hardcore. Tipo, ambos são movimento de atitude, de contracultura. De meio que ser contrário ao sistema mesmo. O skate mesmo é totalmente anti a normalidade de esporte [...], é totalmente diferente e creio que o movimento do hardcore é da mesma forma.
Banda T.O.S.I. (Helton): Hoje, dizer que é totalmente não dá mais. Ele tem a sua essência de contracultura porque ele surgiu assim, mas também, são décadas. E é lógico que as coisas vão se adaptando, o sistema ele vai se aproveitando das coisas, como se aproveitou da música também. Então, a ligação do hardcore e do skate é por isso mesmo, pela atitude de ser algo mais agressivo e tal. Por estar junto, por ser uma prática de rua mesmo, de tá todo mundo ali junto na rua e aí ele vai surgindo dessas formas. A banda surge junto com isso porque a gente já andava de skate. A gente se conheceu primeiro andando de skate e todos gostavam de música e de hardcore.
O hardcore se apresenta como um estilo anticomercial, não apenas nas suas letras, mas também pela sonoridade. Como balancear essa proposta de ser algo anticomercial com a necessidade de fazer uma grana para sobreviver?
Banda T.O.S.I. (Helton): É... Na real, nesse momento, a gente não tem como fazer uma grana pra sobreviver, a gente tenta fazer uma grana pra banda ser autossustentável. Não ter que ficar tirando do bolso pra fazer os corres da banda [...]. Só que é justamente por isso né? Por ser anticomercial, que dificilmente, vai ser vendido para massa e para a indústria da música. Agora tem as gravadoras, tem os selos, tem os discos que são específicos para esse tipo de música, tá ligado? Só que aí é bem mais fechado o mercado, então os contatos que você tem que fazer já exigem mais bagagem, tem que ter mais tempo de estrada pra você conseguir entrar nesse mercado.
Durante os primeiros anos da pandemia, a banda esteve presente em quatro coletâneas de punk rock nordestino e antifascista. Como surgem esses projetos e de que forma eles ajudaram vocês a enfrentar os primeiros anos de pandemia?
Banda T.O.S.I. (Helton): Essas coletâneas foram uma "livrança". Porque como o mercado do underground é fechado, a cena acontece mais de eventos e de shows, que é onde temos o contato direto com o público e podemos expressar melhor nossas ideias. Só que aí, era impossível rolar eventos no começo da pandemia, e a forma que as bandas encontraram para não ficarem paradas foi lançar essas coletâneas. Daí você vai fortalecendo uma rede de contatos. A gente acaba dialogando muito com outros grupos de outras cidades e outros estados. Daí vai rolando esse contato e geralmente algum produtor tem a ideia de lançá-las e vai juntando a galera e foi assim que aconteceu. Foi como a gente conseguiu entrar em quatro.
No último ano, tiveram pelo menos dois casos expressivos de racismo e apologia ao nazismo em bares de rock populares em Campina Grande. O que é que explica as pessoas se sentirem confortáveis para praticar atitudes como essas nestes espaços?
Banda T.O.S.I. (Lucas): O próprio presidente do país em exercício [Jair Bolsonaro, na época] meio que comete essas coisas abertamente. E isso gera um grau de confiança neles sobre impunidade [dos atos]. Então, beleza: “Eu vou me expressar como apoiador do nazismo porque é liberdade de expressão”. Porra nenhuma, velho! Isso não tem o menor sentido. O presidente meio que dando o aval pra você se manifestar contra certos tipos de minorias só porque é uma liberdade de expressão? Isso não tem o menor cabimento! E acho que foi isso que deu asas a essa galerinha que veio se soltando nessas viagens fascistas, nessas ideias conservadoras de extrema direita.
Mas como vocês explicam isso tudo logo nesses espaços de punk e rock onde, em teoria, não deveria acontecer?
Banda T.O.S.I. (Kovot): Dentro desses espaços sempre existiu [atos racistas e outros discursos de ódio], tá entendendo? E foi devido a abertura que houve nesse desgoverno que aconteceu. Aí sim, mesmo dentro dos espaços os bichos ficaram abertos a fazer mesmo. A desrespeitar e saber que ali podiam se mostrar quem eram. E foi exatamente o que aconteceu, e depois o pessoal acabou afastando essas galera, tá ligado?
Banda T.O.S.I. (Helton): E assim, por muito tempo a gente caiu numa inocência e achou que a cena, que o underground era um espaço blindado. Só que esquecemos que a cena é feita de indivíduos, e os indivíduos carregam um monte de valores, que já carregam de família e de outras instituições. E nesses valores vem junto machismo, vem a homofobia, vem o fascismo, vem tudo isso junto.
De que forma vocês lutam para barrar esse crescimento do conservadorismo dentro da cena punk e hardcore? Qual a importância de se posicionar como uma banda antifascista?
Banda T.O.S.I. (Lucas): Acho que não só nas letras. Mas, até nas pequenas atitudes do dia a dia mesmo. Pô, já dei altos esporros em moleque dando ideia errada aí. [...] A cobrança, realmente, é diária! Você tem que se posicionar diariamente. Se vê algo errado no meio que você está envolvido, no skate, numa roda de amigos bebendo, você tem que dar os toques corretos.
Banda T.O.S.I. (Helton): E quando já é um marmanjo, com a ideia formada, é que não dá para você dar uns toques, então o lance é o boicote. É boicotar os lugares que permitem, é boicotar essas bandas que dão brecha pra essas atitudes, é não fazer coisas juntos. Se não vai mudar, pelo menos que não dê espaço pra eles também.
Nos últimos anos o nome completo da banda passou por alterações duas vezes para acompanhar as discussões sobre gênero neutro. O que essa mudança representa? Vocês receberam algum tipo de critica em relação a isso?
Banda T.O.S.I. (Helton): Se rolou [alguma crítica] foi muito nas "entuca" porque não chegou até nós. E se chegasse... problema deles, né? (risos). Porque uma das coisas que diferencia o hardcore de outros estilos dentro do rock é que ele é mais aberto para isso mesmo. A ideia é que seja mais inclusivo, que a comunidade LGBTQIA+ se sinta à vontade para colar nos rolês.
A banda tem dois membros vegetarianos (Kovot e Helton) e um vegano (Rafael). De que forma as letras refletem essa vivência?
Banda T.O.S.I. (Helton): Temos algumas músicas, mas procuramos falar mais da da exploração animal do que, em si, do veganismo. Porque é uma questão que independe do que você consome. O cara que come carne também tem que entender a problemática do consumo de carne. Que isso é indiscutível. Não é um tema que só tem que ser presente na vida de um vegetariano ou de um vegano. Qualquer pessoa tem que entender que o consumo de carne é prejudicial para o planeta. Temos algumas músicas que ainda serão lançadas em 2023 e que irão abordar um pouco sobre isso.
Lucas Torres na guitarra, Helton Pereira nos vocais, Marcos Kovot no baixo e Rafael Lima na bateria - Fotos: Josi Calixto
Que outras vivências que ainda não discutimos aqui vocês consideram importantes de trazer para o som de vocês, e por quê?
Banda T.O.S.I. (Helton): Pronto... as músicas novas vão bater mais na tecla do antirracismo e também da repressão policial. É algo que vem surgindo, que aí com o aumento do bolsonarismo, com o aumento do fascismo e tudo isso vem junto. Então, é algo que nas próximas músicas iremos trabalhar mais. E já teve uma época também que batemos muito numa tecla, da religião. De uma alienação através da religião, principalmente do cristianismo. Também já falamos de violência doméstica contra a mulher e feminicídio. Nós não temos local de fala como vítima, mas nós que somos homens também precisamos dialogar sobre isso.
Já que vocês falaram das músicas que estão por vir, para finalizar, quais são os próximos passos da banda? O que vocês têm planejado para 2023 e 2024?
Banda T.O.S.I. (Kovot): Primeiro a gente vai pagar as contas. Todo mundo está com conta até o talo. Mas nós estaremos produzindo. Eu acredito que esse ano ainda sai dois materiais, não sai, nêguin [Helton]?
Banda T.O.S.I. (Helton): É, a ideia é que saia. Sendo otimista, a ideia seria sair um EP e, talvez, um split, que é como se fosse com um disco compartilhado com outra banda. Porque é uma forma também de diminuirmos o custo de lançamento e divulgarmos mais, também.
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Texto: Felipe José
Entrevista e Produção: Felipe José
Editor de Especializado: Eduardo Gomes
Editor-Chefe: Rafael Melo
Diretora de Redação: Ada Guedes
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