Por Felipe José
13 km separam a zona urbana de Alagoa Grande da casa de Dona Edite, na Comunidade Remanescente de Quilombo (CRQ) Caiana dos Crioulos, zona rural do município. Alagoa Grande é terra de nomes ilustres como Jackson do Pandeiro, Margarida Maria Alves e de Edite José da Silva, que em 2019 recebeu o título de Mestra da Cultura Popular pela Lei Canhoto da Paraíba (Lei nº 7.694/2004) por seu trabalho com a ciranda e o coco de roda.
Quem me acompanhou nos caminhos sinuosos em estrada de terra até a casa dela foi o motoqueiro Adilson. Apesar da distância não ser tão longa a viagem demorou quase uma hora em baixo de sol escaldante, e tivemos que parar diversas vezes no meio do caminho para pedir informações. A sorte é que em Caiana todos conhecem Dona Edite, apesar das casas ficarem distantes umas das outras.
Quando chegamos em sua casa já era por volta do meio dia e ela nos esperava na varanda com seu filho Aluiso dos Santos e seu marido Manoel dos Santos. Na minha inocência eles já teriam almoçado e eu só almoçaria quando estivesse de volta ao centro de Alagoa Grande, mas eu não poderia estar mais enganado.
A anfitriã nos recebeu com um verdadeiro banquete: arroz, macarrão, galinha caipira, dois tipos de feijão, duas opções de suco, tudo delicioso. A casa repleta de sofás por todos os cantos refletia uma de suas maiores características: Dona Edite é uma pessoa extremamente acolhedora.
Herança familiar
Aos 79 anos, Dona Edite já viajou o Nordeste inteiro e conheceu outras regiões, mas, nem passa por sua cabeça sair da comunidade em que seus pais e avós viveram. Ela conta que muita coisa mudou desde sua infância. Antigamente não tinha forró, não tinha rádio, muito menos televisão. "Era só trabalho. Trabalhava de dia e dormia de noite." Era apenas de quinze em quinze dias que seus pais (José Antônio Paulo e Maria Ana da Conceição) levavam os filhos para a casa dos vizinhos para rezar um terço, uma novena ou ir a uma procissão.
"Desde que nasci que eu moro aqui. Nasci e me criei aqui. Meus pais nasceram e se criaram aqui. Aí faz que nem diz o ditado, os pais dos meus pais também nasceram e se criaram aqui na comunidade."
Conta que a maior lição que seus pais deixaram para ela e seus 10 irmãos foi a educação. Não a educação formal que se aprende nas escolas, mas aquela que se aprende com valores mesmo. Além disso, foram eles que lhe ensinaram a maioria das atividades que exerceu ao longo da vida, como a de rezadeira, parteira e a de agricultora, que desempenha até hoje.
Além disso, Dona Edite já trabalhou como merendeira numa escola de Alagoa Grande, mas acabou sendo afastada quando as aulas pararam devido à pandemia. Com o retorno das aulas, não foi chamada de volta pois por ser idosa, fazia parte do grupo de risco em caso de agravamento da COVID-19. Uma pena para as crianças que não voltaram a comer a comida gostosa dela.
Casamento e religiosidade
Aos poucos, todos os irmãos e irmãs foram se casando e saindo da casa dos pais, e em março de 1963 foi sua vez, casou-se com Seu Manoel e mudou-se para a casa onde mora até hoje. "Por mim, eu não tinha casado com ele não, viu! Mas pela família eu cheguei a casar com ele, graças a Deus! Faz que nem diz o ditado, me casei. Foi uma luz que Deus me mostrou, que ainda hoje está acesa e que só se apaga, se Deus quiser, quando nós morrermos", conta Dona Edite.
Ao todo, o casal teve 23 filhos, dos quais criaram 11, seis moram em Alagoa Grande e cinco no Rio de Janeiro, em casa ainda moram dois, além do marido, da nora e dois netos: José Gabriel e Thaysa Witoria.
Nas paredes da casa, fotos da família dividem espaço com imagens, artefatos e quadros de Jesus, Maria, santos e outras figuras religiosas, além do Salmo 121. Se os sofás refletem a natureza acolhedora de Dona Edite, esses símbolos representam a presença e importância da religião em sua vida. "Já nasci no catolicismo, graças a Deus! Faz que nem diz o ditado, e nisso eu vivo. Eu creio muito em Deus, tenho muita fé em Deus. Tenho fé de coração em Deus e Deus é tão bom pra mim que tudo que eu peço a ele, ele sempre me ilumina".
Ciranda, coco de roda e cultura popular
A ciranda e o coco sempre fizeram parte da sua vida e até hoje participa dos grupos que ajudou a formar em Caiana dos Crioulos. Ela conta que os eventos continuam a atrair pessoas de todas as idades, tanto da comunidade, quanto de Alagoa Grande e até de outras cidades como Campina Grande e João Pessoa.
"A minha mãe também dançava ciranda. Acho que quando eu estava ainda pra nascer, no ventre da minha mãe eu já dançava. Aí, pronto! Fui crescendo, fui arrumando mais amizade de coco. E aqui todo mundo brincava coco [...] Só bastava bater numa lata ou num balde e já era uma noite de festa pra gente", relata a mestra de coco.
Pelo título de Mestra recebido em 2019, Dona Edite segue sendo chamada para participar de eventos promovidos pelo Governo do Estado da Paraíba, seja presencialmente ou através de lives. No entanto, essa não é a primeira vez que tem o seu trabalho reconhecido. Ao longo dos anos tem sido convidada para participar de diversos trabalhos acadêmicos, de projetos audiovisuais, e até de gravações de CDs com músicas cantadas por ela.
É ao som de uma dessas canções, presente no álbum "Desencosta da Parede", de 2008, que ela e sua família se despedem de mim e de Adilson. O canto parece capturar todas as minhas sensações ao deixar aquele lugar em que fomos tão bem recebidos:
"Despedida de amor faz pena e dor, Despedida de amor é que me faz chorar, Faz chorar, faz chorar, faz chorar, faz soluçar."
____________________
Entrevista e produção: Felipe José
Editor de Texto: Eduardo Gomes
Editora-Chefe: Ada Guedes
Comments