por Felipe José
Rafael Generino Barbosa é Babalorixá e juremeiro, sacerdote do Ilê Axé Nagô Iemanjá Sobá e da Tenda de Jurema do Mestre Zé Filintra de Aguiar, ambas localizadas no município de Puxinanã, no interior da Paraíba. Mais conhecido como Rafael D'Iemanjá, ou apenas Pai Rafael, ele também é presidente da Associação Cultural de Umbanda, Candomblé e Jurema Mãe Anália Maria de Souza que representa as religiões de matrizes afro-indígenas e combate o racismo e a intolerância religiosa na cidade.
Da sua atuação como líder religioso e do trabalho com plantas medicinais dentro do terreiro, Rafael desenvolve uma paixão por cuidar e ajudar pessoas e daí nasce seu interesse pela área da saúde. Hoje, ele estuda Fisioterapia, mas já é técnico de enfermagem, enfermeiro e conselheiro tutelar em Puxinanã. Além disso, desenvolve um trabalho junto ao Fórum Diversidade Religiosa da Paraíba para garantir suporte legal a vítimas de intolerância religiosa. Nessa entrevista, o Campina Cultural procura discutir a atuação de Rafael D'Iemanjá e debater a intolerância religiosa. Veja os principais trechos:
Além de você, que é o presidente, quantas pessoas compõem a Associação Cultural de Umbanda, Candomblé e Jurema Mãe Anália Maria de Souza hoje? Hoje a associação se encontra com o quadro de 141 associados. A maioria é do município de Puxinanã, mas também temos pessoas das cidades circunvizinhas como Campina Grande, Montadas e Areial.
De que maneira a Associação representa as religiões de matrizes afro-indígenas do município de Puxinanã? O grande auxílio que nós damos é na questão da intolerância religiosa. Nós oferecemos aos nossos associados [ou outras pessoas, não especificamente associados] que se sintam agredidos pelo ato da intolerância religiosa. Levamos o caso até o Fórum da Diversidade Religiosa da Paraíba ou, até mesmo, à Justiça, para que sejam tomadas providências jurídicas. Nós orientamos, nós explicamos que o país é regido por uma Constituição Federal, e que no artigo 20 da Lei nº 7.716/1989 deixa bem claro o crime da intolerância religiosa. Nós temos esse trabalho de orientar e apoiar.
Desde o seu surgimento, a Associação já sofreu algum tipo de resistência por parte da população da cidade? O que mudou até aqui? Sim, já sofremos muito com o crime de intolerância religiosa, não por parte da população, mas por parte do poder público, né? Houve um ano [2015], em que teve um desfile cívico aqui na cidade, e o tema do desfile era sobre as várias manifestações religiosas existentes aqui no município. A Associação foi convidada a participar desse desfile, representando as religiões de matriz afro-indígenas. Para a minha surpresa, na antevéspera do desfile, eu fui convocado a comparecer à Secretaria de Educação de Puxinanã. Lá eu fui informado que estávamos proibidos de colocar nossos seguimentos religiosos nas ruas.
Nós lutamos, fizemos protesto, e só então conseguimos participar. Depois, entramos com uma ação civil pública na comarca de Pocinhos contra a intolerância religiosa dessa administração, e o juiz acatou imediatamente. Esse foi um grande enfrentamento e, a partir daquele ano, nós somos convidados a desfilar todos os anos. O que mais me deixa surpreendido é que a população sempre nos abraça.
Quais atividades a Associação desenvolve na comunidade? De que forma elas contribuem para combater a intolerância religiosa? Além da parte litúrgica, nós temos projetos sociais como o sopão comunitário, em que atendemos várias famílias carentes aqui no município. Temos o grupo de Maracatu, que incluímos os jovens para tentar tirarmos eles da criminalidade, da situação de vulnerabilidade social. E também temos os cursos de percussão e fabricação de instrumentos. Tudo oferecido de forma gratuita. Os jovens aprendem a construir seus próprios instrumentos, aprendem a tocar, a se apresentar, e ainda levam ao público aquilo que aprenderam.
Em 2018, a prefeitura de Puxinanã decretou uma lei que estabelece a 3ª semana do mês de agosto como Semana Municipal de Combate à Intolerância Religiosa. Qual é o papel da Associação nessa conquista e o que ela representa? Bom, essa conquista representa muito para nós. Porque depois de uma administração pública ter nos agredido com o ato de intolerância religiosa que mencionei, a administração que se seguiu (e que permanece até hoje) nos reconheceu. Foi muito importante termos esse apoio do poder público. Foi um pedido meu, a um vereador amigo, que apresentasse esse projeto de lei na Câmara Municipal. Para minha surpresa o projeto foi aprovado por unanimidade e, logo após, o prefeito sancionou. Como também tem a lei que institui o Dia do Juremeiro e das Religiões Afro-brasileiras aqui no município de Puxinanã, que foi outro reconhecimento por parte do prefeito atual.
Uma das atividades que a Associação também desenvolve é o Encontro de Juremeiros e Benzedores de Puxinanã, que em 2022 chegou em sua 4ª edição. Qual a importância de um evento como esse? Nós mostramos à comunidade que a nossa religião é importante. Que ela não é aquilo que muitos pensam. E, por ser um evento aberto ao público, ele tem grande aceitação da própria população, que participa e escuta as palestras. Nesse último ano nós fomos muito abençoados, graças a Deus, porque tivemos participação de um pastor evangélico, de um bispo, de representante da religião Wicca. Isso é muito importante porque conseguimos unir vários segmentos religiosos, mas respeitando um ao outro. Então é isso que a gente quer mostrar. O respeito, e que o diferente pode andar junto.
A Associação atua junto ao Fórum Diversidade Religiosa da Paraíba para solucionar casos de intolerância religiosa em Puxinanã e outras cidades da Paraíba. Quantos casos vocês já ajudaram a solucionar? Entre 26 e 28 casos. [Geralmente são casos envolvendo preconceito entre familiares ou de estudantes que são vítimas de intolerância dentro de instituições de ensino].
O que mais caracteriza intolerância religiosa no estado da Paraíba? Os ataques a templos religiosos, seja de qual segmento for. Por exemplo, nós do candomblé e da jurema temos preceitos religiosos em que, nas sextas-feiras, não podemos usar roupa coloridas, apenas roupas brancas. Mas muitas instituições de ensino, por exemplo, barram os estudantes se forem vestidos dessa forma. Isso também é caracterizado como intolerância religiosa, porque aquele aluno está assegurado por lei. É dia da liturgia dele. Ele pode sim usar uma roupa branca e ir para o colégio.
Há várias outras coisas que a caracterizam. Tem o crime de ódio, tem a forma que você está falando ou, ainda, você não conseguir um emprego por conta da sua religião, o que acontece muito. Mas, graças a Deus, que esse tipo de coisa está diminuindo. Depois dos nossos encontros, orientações, debates, discussões, está acabando mais.
Para finalizar, de que forma a população pode denunciar casos de intolerância religiosa como esses? Nós temos os canais de comunicação. O disque 100, de Direitos Humanos, que você pode denunciar. Você pode denunciar ao Centro Racial João Balula, ao Fórum da Diversidade Religiosa da Paraíba, e também na Associação Cultural de Umbanda, Candomblé e Jurema Mae Anália Maria de Souza, que nós levaremos até a Defensoria Pública do Estado da Paraíba para que sejam tomadas as devidas providências.
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Texto: Felipe José
Entrevista e Produção: Felipe José
Editor de Especializado: Eduardo Gomes
Editor-Chefe: Rafael Melo
Diretora de Redação: Ada Guedes
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