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Fatos em graffiti: Leandro e a luta por visibilidade do movimento hip-hop

Por Mateus Ronelle

Movimento Hip Hop - Grafite - Arte - Campina Cultural
Grafite feito usando a técnica "bomb" e com a assinatura de Leandro Fatos - Foto: Acervo Pessoal

O movimento hip-hop é composto por quatro elementos: o rap, vinculado à poética e ao jogo de palavras; o DJing, um dueto musical entre o MC e o DJ; o breakdance, um estilo livre de dança que tem a participação sonora dos gêneros musicais funk, breakbeat ou hip-hop. E, um elemento específico que assinou, em cores, a vida de Leandro Fatos: o graffiti.


Desde garoto, Leandro Silva Santos demonstra ter afinidade com o desenho. Ele não considera um dom, mas sim um esforço pessoal e contínuo, que o fez desenvolver ainda mais as suas técnicas no grafite. Mas antes mesmo de começar a grafitar, ele já desenvolvia um vínculo de pertencimento com o movimento hip-hop. Em suas palavras, um artista o inspirou nisso: Charlie Brown Jr. No ano de 1999, Leandro teve o primeiro contato com o spray de grafite. Entre cores e contornos, Leandro Fatos nascia para agregar e ajudar a dar visibilidade ao movimento hip-hop na cidade campinense.


A assinatura Leandro Fatos se espalhou por Campina Grande. Os bairros Quarenta, Santa Rosa e Liberdade possuem registros artísticos dele. Além disso, locais históricos para a cidade, como o Açude Novo e o Parque do Povo já registraram o trabalho deste artista urbano. Dentre suas obras, as mais comuns são a tag 'Leandro Fatos' em estilo bomb, que é uma técnica do grafite menos elaborada, com mais de uma cor e usada, geralmente, para assinatura dos artistas; e um personagem bicolor que o representa, reconhecido por seu boné e sorriso em destaque que tomam as ruas, seu habitat in natura:

"Para mim, o mais interessante é expor na rua que o acesso é mais democratizado. Quanto mais exposta ela tiver, mais impacto vai causar e mais vezes pode fazer a mudança", conta o artista.

Grafite - Leandro Fatos - Movimento Hip-Hop - Campina Cultural
Uma das obras de grafite assinada por Leandro Fatos, em Campina Grande (PB) - Foto: Acervo Pessoal

José Cristóvão Andrade, ativista cultural e então Pró-Reitor da Cultura da Universidade Estadual da Paraíba (PROCULT/UEPB), o viu crescer pelo bairro Quarenta, Zona Oeste de Campina Grande. Para ele, ali foi a base do Leandro; era uma comunidade totalmente envolvida com as atividades culturais. Foi aí que começou a arte do graffiti em sua vida:


"A comunidade era muito envolvida com atividades culturais. Nós tínhamos no bairro a quadrilha junina e tínhamos o hábito de pintar muros, de pintar o chão, e percebemos que as decorações eram sinônimo da participação popular. (...) A base dele (Leandro) foi justamente essa, uma comunidade totalmente envolvida com as atividades culturais. (...) Ele sempre foi muito engajado conosco.", ressalta Cristóvão Andrade.

Hip-hop: a luz no fim do túnel


Leandro Fatos -  Campina Grande - Movimento Hip-Hop - Grafite - Campina Cultural
Leandro Fatos em uma sala do Centro Artístico Cultural (CAC), em Campina Grande (PB) - Foto: Mateus Ronelle

O despertar de Leandro Fatos para o graffiti na década de 1990 foi decorrente do surgimento e ascensão do hip-hop nos anos 80 nas periferias de Nova Iorque e capilarizado pelo Brasil através da música, tecnologia e inovação. Mas, o grafitti e o hip-hop não foram apenas um hobby em sua vida, e sim, uma válvula de escape para os problemas vivenciados.


Leandro perdeu os pais ainda na adolescência, em um acidente de carro. Segundo Andrade, que conviveu com sua família no bairro Quarenta, foi uma perda muito difícil para ele e o graffiti foi a sua cura, o seu alicerce. A arte e a cultura hip-hop acolheu-o no momento mais complicado de sua vida, e o livrou dos perigos que o rodeavam cotidianamente, como o furto e o trafico de drogas:

"No tempo da minha adolescência todos os meus amigos mais próximos, sem exceção, tiveram passagens por presídios. Inclusive alguns até hoje estão trancados. (...) o hip hop me tirou do caminho sedutor do crime.", destaca Leandro.

Ele encontrou em 2002 um coletivo de graffiti, intitulado como UZS CREW, que significa 'União Zona Sul'. Conta com aproximadamente 15 grafiteiros e é o primeiro coletivo de graffiti da Paraíba. Para Leandro Fatos, foi um verdadeiro divisor de águas, principalmente devido a dura realidade de sua comunidade. Sua criatividade lhe gerou bons frutos e, naquele momento, decidiu depositar todas as suas dores e transformá-las em combustíveis para a arte.


Essa arte é para todos


A criatividade e a força de vontade são algumas das características desse movimento artístico. Jeferson Araújo dos Santos, conhecido como Bboy Snoop é um amigo que Leandro conheceu através do hip-hop e transmite o amor por essa arte por meio do break dance. Jeferson disse que essa dança mudou a sua vida e proporcionou experiências únicas no segmento Hip-Hop. Hoje ele é produtor e atleta de breaking profissional pelo Conselho Nacional de Danças Desportivas.:

"O breaking mudou minha vida completamente. Me proporciona coisas gigantescas na vida, me faz conhecer lugares, pessoas (...) Só no Hip Hop eu encontro paz, saúde e muita oportunidade de conhecer o mundo com essa arte.", afirma Snoop.

A mobilização social como ferramenta de mudança

Para muitos artistas culturais do hip-hop, a exemplo do Leandro Fatos, esse movimento possui um quinto elemento: a mobilização social. Embasado em críticas a realidades sociais adversas e na reivindicação de direitos para o grupos periféricos, Leandro Fatos luta em busca de assegurar o reconhecimento do hip-hop nas lutas políticas da paraíba:

"Eu acredito que só podemos mudar alguma coisa se for através da política. A arte ela muda, a arte apresenta, mas a gente começa a ter uns pensamentos e notar que a sociedade só muda através da política.", disse ele

Estado da Paraíba - Movimento Hip-Hop - Política - Campina Cultural
Leandro Fatos (camisa preta escrito 'Spurs 21' e Bboy Snoop (camisa com listras amarela e preta) em uma reunião com o Vice-Governador em prol de melhorias para o hip-hop - Foto: Acervo Pessoal

Ele e Jeferson são alguns do vários artistas em busca de melhorias no segmento. O principal objetivo do grupo no é tornar o hip-hop Patrimônio Imaterial e Cultural do Brasil. Uma proposta que foi bem recebida pela IPHAN, e conta até o momento, com o apoio de mais de 200 deputados federais e senadores do Brasil todo.


Entretanto, o hip hop ainda é uma expressão artística não muito valorizada e apoiada pelos órgãos governamentais. Jeferson relata que em sua cidade, São Sebastião de Lagoa de Roça (PB), conseguir apoio de políticos é algo que requer muito tempo e trabalho. Ele acredita que a política é necessária apesar das contrariedades e frustações devido ao não apoio efetivo de eventos e iniciativas que valorizem essa cultura por meio das políticas de sua cidade. Mas, Bboy Snoop tomou a iniciativa de documentar todas as ações e atividades feitas por ele para mudar a realidade dessa arte em sua cidade.


Leandro Fatos também atua ativamente para que avanços sejam feitos na área do hip-hop. Em suas palavras, as redes sociais acaba sendo um meio fundamental para que os protestos cheguem as secretarias da cidade de Campina Grande e do Estado da Paraíba. Ele participou de reuniões na Secretaria do Estado e vê com muito otimismo essa relação:

"Nós adotamos a tática de “bater” em redes sociais, protestar e falar mesmo, dizer que o movimento está sem espaço. (...) Queriamos ser ouvidos e escutados."

Leandro Fatos e Bboy Snoob são exemplos de uma cultura que vive e luta em nosso país em busca da valorização de suas artes, seja o graffiti ou o break, a representatividade que eles carregam está além de qualquer individualidade dos segmentos do hip-hop. Este, salvou-os das armadilhas das ruas, foi casa e terapia; chão e refúgio. A visibilidade da causa continuará, a luta constante não é só deles, o movimento vive e é imortal.


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Texto: Mateus Ronelle

Entrevista e Produção: Mateus Ronelle e Nilo Barreto

Editor Especializado: Eduardo Gomes

Editor Chefe: Rafael Melo

Diretora da Redação: Ada Guedes

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